Considerado o melhor livro de 2019 pelo El País.
Alguns artigos para acompanhar a leitura:
https://expresso.pt/cultura/2020-03-22-Chuva-Miuda-de-Luis-Landero.-A-familia-e-um-labirinto
Com uma tremenda perícia narrativa, o espanhol Luis Landero transforma o microcosmos da família num território labiríntico e caleidoscópico, onde é impossível fixar uma só visão da realidade.
“Agora já sabe que as histórias não são inocentes, não inteiramente. Talvez também não o sejam as conversas quotidianas, os descuidos e lapsos verbais, o falar por falar. Talvez nem sequer o que dizemos em sonhos seja completamente inocente. Há algo nas palavras que, só por si, implica um risco, uma ameaça, e não é verdade que o vento as leve tão facilmente como dizem. Não é verdade.”
“Hoje é quinta-feira. Há seis dias que Gabriel se lembrou de organizar uma festa para a mãe. Uma festa onde todos pudessem perdoar e expiar as culpas e os erros, e onde as ofensas e os equívocos do passado fossem enfim redimidos. (…) São histórias, impressões, conjeturas e sonhos, que, uma vez encarnados e materializados em palavras, passam a ser reais e, com o tempo, invulneráveis a qualquer discussão. Um dia, não se lembra a propósito de quê, [Aurora] disse a Andrea «Esta é que é a verdade», e Andrea replicou: «Pois então a verdade é mentira.» E talvez não lhe falte razão. E é curioso, pensa Aurora, porque às vezes a memória vai reconstituindo e ampliando com notícias fornecidas pela imaginação e pela nostalgia o que o esquecimento destrói, de modo que se dá então o paradoxo: quanto maior é o esquecimento, mais rica e detalhada é também a lembrança.” (pp. 233-234)
“Hoje é quinta-feira. Há seis dias que Gabriel se lembrou de organizar uma festa para a mãe. Uma festa onde todos pudessem perdoar e expiar as culpas e os erros, e onde as ofensas e os equívocos do passado fossem enfim redimidos. (…) São histórias, impressões, conjeturas e sonhos, que, uma vez encarnados e materializados em palavras, passam a ser reais e, com o tempo, invulneráveis a qualquer discussão. Um dia, não se lembra a propósito de quê, [Aurora] disse a Andrea «Esta é que é a verdade», e Andrea replicou: «Pois então a verdade é mentira.» E talvez não lhe falte razão. E é curioso, pensa Aurora, porque às vezes a memória vai reconstituindo e ampliando com notícias fornecidas pela imaginação e pela nostalgia o que o esquecimento destrói, de modo que se dá então o paradoxo: quanto maior é o esquecimento, mais rica e detalhada é também a lembrança.” (pp. 233-234)
De facto não há palavras inocentes. Temos sempre um objectivo ao dizer alguma coisa a alguém, mesmo as mais banais e inocentes. Uma vez, ouvi alguém dizer que as palavras são como a pasta de dentes- uma vez fora da embalagem não sr consegue voltar a po-la dentro... Para além das questões familiares, a escrita é muito, diria, saborosa. Otilia
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